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Por Naiara Bertão, para o Valor

Depois de alguns meses de espera, nesta quarta-feira (24), o Parlamento Europeu aprovou por 374 votos a favor e 235 contra, com 19 abstenções, uma nova legislação que exige das companhias de grande porte um acompanhamento de perto das práticas sociais e ambientais de sua cadeia de fornecedores. Chamada de Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Due Diligence Directive ou CSDDD), ela considera a responsabilidade das companhias que atuam na região tanto pela auditoria tanto de parceiros que contribuem para a produção, como provedores de matérias-primas e insumos e o processamento em si dos produtos (chamado de “upstream”), quando as etapas seguintes à produção, tais como armazenamento e distribuição do produto ou serviço ao consumidor final, responsáveis pelo marketing, vendas e atendimento ao cliente (downstream).

A proposta é que a regulamentação passe a valer em 2028. Além de exigir a observância e due diligence (devida diligência) de, por exemplo, práticas ambientais sustentáveis, como desmatamento e perda de biodiversidade, o respeito a todos os direitos humanos - trabalho escravo, infantil etc. - também entra na supervisão. Por ora, a regra passa a valer para companhias com mais de 1.000 funcionários e mais de 450 milhões de euros (480,8 milhões de dólares) de receita, considerando o ano fiscal anterior.

Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados pontua que a lei ainda precisa da aprovação final dos ministros dos estados membros da UE, o que deve acontecer em maio. “Significa dizer que, entrando em vigor a nova legislação, existirá impacto direto nas empresas exportadoras brasileiras para a comunidade europeia. Essas empresas terão que, não somente fazer avaliação de suas cadeias de fornecedores mediante critérios ESG, mas terão que comprovar que fizeram a due diligence e que sua cadeia está adequada aos critérios exigidos”, diz.

A regra aprovada na quarta é mais amena do que a anteriormente proposta, uma vez que houve muitas manifestações contrárias e críticas de companhias que acreditam que haverá um excesso de burocracia e perda de competitividade. Anteriormente, abrangia companhias da UE com mais de 500 trabalhadores e faturamento a partir de 150 milhões de euros.

Gabriel Abdalla é coordenador da área de Legal Due Diligence do BVA – Barreto Veiga Advogados, comenta que as empresas-alvo da Diretiva devem ser proativas na identificação e mitigação de impactos adversos em seus negócios e cadeias de suprimentos. “Elas são obrigadas a adotar e implementar um plano de transição detalhado, informando as metas, prazos, valores a serem investidos, entre outros, para alinhar seus negócios com as metas climáticas do Acordo de Paris, como limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5°C até o final do século 21”, diz.

As empresas também terão de preparar planos que estabeleçam a forma como farão a transição para uma economia de baixo carbono.

Em caso de descumprimento, haverá penalidades, que incluem, por exemplo, multas de até 5% do faturamento global. Outra novidade é a responsabilização por danos causados pelo descumprimento de suas diretrizes. As companhias deverão, por exemplo, compensar integralmente possíveis vítimas. Também ficará a cargo das grandes companhias remediar o impacto adverso real causado, seja ambiental ou social.

Impacto no Brasil

As empresas que não pertencem à UE, mas tem um volume de negócios de mais de 450 milhões de euros gerados no mercado europeu também se enquadram na diretriz. Por isso, Abdalla, do BVA, lembra que, mesmo que uma corporação brasileira não se enquadre diretamente no escopo da Diretiva, ela pode ser impactada se fizer parte da cadeia de valor de uma empresa sujeita à legislação.

“As companhias brasileiras devem avaliar suas operações e cadeias de suprimentos para mapear possíveis impactos adversos e garantir conformidade com as disposições da Diretiva. Isso pode exigir uma revisão das políticas existentes, a implementação de práticas de diligência sustentável e a criação de mecanismos eficazes de reclamação e remediação”, destaca o advogado. Para ele, ser proativa no mapeamento e identificação de possíveis riscos ambientais e de direitos humanos ao longo de suas operações e cadeias de suprimentos “são passos cruciais”.

Clara Serva, sócia da área de Empresas e Direitos Humanos de TozziniFreire, lembra que UE é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, sendo responsável por 15% do comércio total. O Brasil é, por sua vez, o segundo maior exportador de produtos agrícolas para lá. “O impacto se dará em cascata: as grandes empresas precisarão adotar mecanismos de monitoramento e prevenção a impactos negativos em direitos humanos e meio ambiente. Exigirão, por força legal, de seus fornecedores a mesma adequação”, pontua.

Por isso, continua, as empresas brasileiras e as europeias que atuam no Brasil precisarão incorporar à sua governança e ao seu cotidiano empresarial mecanismos de devida diligência e, a partir disso, prevenir, mitigar e reparar impactos socioambientais.

Patricia Punder, comenta que é bem possível que o agronegócio seja uma das indústrias mais impactadas pelos critérios ESG na cadeia de fornecimento, devido a sua interdependência com recursos naturais, comunidades locais e regulamentações governamentais.

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em março de 2024, as exportações do agronegócio chegaram a US$ 14,21 bilhões, sendo soja (44,3% de participação), carnes (12,8%), açúcar e álcool (11,3%), produtos florestais (9,4%) e café (5,7%) os principais produtos. Segundo o MAPA, a UE é, por exemplo, a maior demandante do farelo de soja brasileiro - foram compradas 841,03 mil toneladas, o equivalente a US$ 364,11 milhões - no mês passado.

“Em termos ambientais, o agronegócio está sob pressão para adotar práticas sustentáveis que minimizem o impacto ambiental, como reduzir o uso de agrotóxicos, conservar recursos hídricos e proteger ecossistemas frágeis. Socialmente, é essencial garantir condições de trabalho justas e seguras para os trabalhadores rurais e respeitar os direitos das comunidades locais”, destaca a advogada do Punder.

Serva, do TozziniFreire, comenta ainda que serão muitos desafios, que vão desde a identificação se a atividade contribui para a redução ou aumento da desigualdade socioeconômica, até o próprio monitoramento da cadeia de fornecimento para que não haja trabalho infantil, análogo ao de escravizado ou outras condições degradantes.

“Em um país com insegurança jurídica sobre o reconhecimento de terras indígenas, como saber se sua operação pode impactar um território que no futuro poderá ser reconhecido como indígena ou de outras comunidades tradicionais? E havendo potencial impacto a povos indígenas e comunidades tradicionais, como conduzir a consulta livre, prévia e informada?”, questiona Serva.

O legislativo brasileiro discute há mais de um ano uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas nacional. O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania criou, mais recentemente, um grupo de trabalho interministerial para desenvolvê-la.

“A Política se apresenta como um horizonte relevante para a agenda no Brasil, assegurando que o país acompanhará a tendência global de atenção a como as empresas impactam direitos humanos e, mais do que isso, assegurando que teremos políticas públicas e práticas empresariais atentas às nossas peculiaridades", reitera a advogada do TozziniFreire.

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Benefícios

Na avaliação de Punder, incorporar parâmetros ESG na cadeia de fornecedores é uma atitude cada vez mais cobrada das partes interessadas, como consumidores e investidores. Transparência e responsabilidade , portanto, serão importantes. E ela acredita que, ao adotar essas medidas na seleção de fornecedores, as empresas fortalecem sua reputação, evitam riscos financeiros e podem melhorar significativamente a eficiência operacional e a inovação.

“Fornecedores comprometidos com práticas sustentáveis tendem a ser mais confiáveis e resilientes, reduzindo o risco de interrupções na cadeia de suprimentos. Como também, colaborar com fornecedores que compartilham os mesmos valores pode levar a parcerias mais produtivas e inovadoras, resultando em produtos e serviços de maior qualidade e valor agregado”, diz.

Por fim, diz, avaliar e selecionar fornecedores com base em critérios ESG, é essencial para empresas alcançarem metas de sustentabilidade corporativa.

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