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Crises reputacionais: o grande dilema das empresas

Patricia Punder

Que uma crise sirva para gerar mudança da cultura interna, para a implementação de um programa de compliance efetivo.

terça-feira, 17 de maio de 2022

Atualizado às 08:49

Quando escrita em chines, a palavra "crise" compõe-se de dois caracteres: um representando perigo e o outro, oportunidade.

Todas as empresas, em algum momento de sua existência, passam por adversidades, sejam financeiras, operacionais, logísticas, regulatórias, etc. Faz parte do risco do negócio. Algumas adversidades são bem contornadas, apesar da tomada de decisão muitas vezes duras, como demissões, outras vezes, acabam deixando de existir no mercado.

Agora, quando falamos em "crise" não podemos esquecer que se uma empresa possui um programa de compliance efetivo, a crise pode ser gerida de forma preventiva através dos comitês de crises, onde protocolos são definidos para cada tipo de crise que foi mapeada dependendo do tipo de negócios e nível de riscos de compliance que esta empresa está exposta.

Quando o comitê de crise realmente funciona, a crise pode virar uma oportunidade muito interessante, até para a reputação da empresa. Cito o caso do Hospital Einstein que ao investigar uma denúncia de um fornecedor, descobriu um caso em que o processo de compras estava sendo manipulado e um alto executivo/chefe do departamento ganhava corrupção privada de um distribuidor específico. Ao tomar as decisões corretas, transformou uma potencial situação de crise em uma propaganda positiva da efetividade de seu programa de compliance. Foi uma oportunidade de demonstrar aos stakeholders que compliance e assunto sério dentro da organização e que não importa a posição do executivo/chefe do departamento, as consequências são aplicadas para todos.

Ao mesmo tempo, vemos empresas que, na grande maioria das vezes, somente tem um programa de compliance para inglês ver e quando a crise bate na porta, o perigo já está instaurado. Muitas destas empresas não possuem comitê de crise instaurado, o que pode gerar o caos inicial e a comunicação truncada. Acompanhamos o caso de uma empresa responsável por um grave incidente ambiental que, infelizmente, causou a morte de muitas pessoas, onde o ex-presidente passou uma mensagem publica e o ex-diretor jurídico outra. Totalmente fora de um protocolo de comunicação efetiva para gerir a crise.

Depois notamos que muitas das empresas que passaram por crises difíceis, seja por uma investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, CADE e CGU, partirem para "soluções magicas", como se a crise nunca tivesse existido, se esquecendo que as mídias sociais não perdoam. Resolvem mudar a enominação/razão social, o endereço da sede, começam a investir em projetos de ESG fortemente ou, então, programas para jovens aprendizes ou traines. Como se a solução magica fosse apagar a existência que um dia a crise aconteceu.

O grande dilema de uma crise esta na escolha de enfrentar a mesma com ética e transparência ou negar/minimizar a existência desta. Infelizmente, o caminho mais fácil tem sido seguido por muitas empresas, que minimizam a ocorrência da corrupção e/ou do cartel. Que teimam em falar que possuem um programa de compliance implementado quando, na prática, ele não funciona, pois a própria alta direção não apoio este programa ou não leva o mesmo a sério. Ele existe, pois se trata de uma exigência de mercado e não de uma mudança de cultura organizacional.

Temos um longo caminho pela frente em relação a conscientizar as empresas e seus executivos que as crises podem ser prevenidas, que o lucro pode ser atingido sem práticas antiéticas ou ilegais. A pressão pelo lucro rápido sempre existiu e sempre continuara existindo. As questões que se colocam agora na mesa estão relacionadas com a reputação e a perenidade das empresas a médio e longo prazo. Sem uma boa reputação, os investidores fogem, o crédito some e os consumidores que poderiam ser acionistas deixam de comprar ações. 

Que uma crise sirva para gerar mudança da cultura interna, para a implementação de um programa de compliance efetivo, sendo uma oportunidade para as empresas mudarem os rumos da sua gestão de sua forma de fazer negócios.

Patricia Punder

Patricia Punder

Advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC - Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do "Manual de Compliance", lançado pela LEC em 2019 e Compliance.

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